Luane Monique Carvalho Araújo
Do ponto de vista formal, o Código Civil (Lei 10.406/02) define a doação como um contrato, que possibilita transferir a propriedade de um determinado bem para outra pessoa. E, por ser uma ação civil, merece a tutela do Estado.
A legislação prevê duas formas de transmissão: a tradição, para bens móveis, e a transcrição ou registro no cartório de Imóveis, para bens imóveis.
Já o usufruto está previsto nos artigos 1.390 a 1.413 do Código Civil. Trata-se de um desdobramento do direito de propriedade, que, basicamente, permite que o usufrutuário dê a um terceiro a permissão para usar e fruir de um bem. No entanto, as demais faculdades da propriedade se mantêm com o chamado nu-proprietário – aquele que dispõe do bem, mas não do seu usufruto.
Primeiros passos (judiciais e extrajudiciais)
Em caso de divórcio e partilha de bens que se dão de forma amigável, é comum que os pais doem a seus filhos os imóveis que pertenciam a ambos, reservando para um dos ex-cônjuges o usufruto vitalício do bem. Nessa situação, é imprescindível a apreciação do Poder Judiciário. Se isso não for feito, as partes deverão ajuizar uma ação específica, com assistência de um advogado.
Vale acrescentar que as doações devem ocorrer ainda em vida. O interessado precisa procurar um cartório de Notas para lavrar a Escritura Pública, ato necessário para a transferência da propriedade ao donatário e para que se cumpra o princípio jurídico da publicidade. Além disso, o documento é essencial para que o instrumento público seja protocolado junto ao cartório de Registro de Imóveis competente.
Documentos necessários
Os títulos judiciais aptos para protocolo no Registro de Imóveis estão relacionados no inciso IV do artigo 763, que consta do Provimento 260/CGJMG/2013:
- Cartas de sentença;
- Formais de partilha;
- Certidões;
- Mandados extraídos dos autos de processos judiciais.
É preciso apresentar os originais ou as cópias autenticadas pela Secretaria da Vara em que tramitaram. Se forem observadas omissões objetivas ou subjetivas no momento da qualificação, o registrador deverá supri-las antes de proceder ao registro. Isso será comunicado ao interessado por meio de uma Nota Devolutiva, conforme prevê o art. 784 do Provimento 260/CGJMG/2013.
Nas ações extrajudiciais, serão utilizadas escrituras públicas de doação com a reserva de usufruto, observados os requisitos para a sua lavratura e conforme a legislação vigente.
Impostos e taxas
A doação é fato gerador de imposto de competência estadual, previsto na Constituição Federal. Cabe ao doador, portanto, dirigir-se à Secretaria de Fazenda do Estado em que o imóvel a ser doado está localizado e recolher o imposto. Em Minas Gerais, a legislação estabelece a incidência, a alíquota e a base de cálculo do denominado Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). A mesma lei regula que o usufruto instituído por ato gratuito terá por base de cálculo um terço do valor do bem que foi objeto da transmissão.
No tocante aos emolumentos cartorários, é possível consultá-los na Tabela 4 da nota regulamentada pela Lei Estadual 15.424/04.
Cabe esclarecer que existem duas formas de usufruto: o instituído ocorre quando o bem é adquirido onerosamente ou recebido de outra pessoa; já o reservado realiza-se quando a pessoa que detinha a propriedade plena reserva para si o direito de usar e fruir do imóvel, mesmo após doar a nua propriedade. Nesse segundo caso, com exceção da doação, não há transmissão do usufruto, pois o direito de uso e gozo ainda permanece nas mãos do antigo proprietário. Portanto, não há incidência de tributo.
O que levar para o Registro de Imóveis
Para fazer o protocolo no cartório, o interessado deverá apresentar os seguintes documentos:
- Título para registro – se judicial;
- Carta de sentença;
- Formal de partilha;
- Certidão dos autos e/ou mandado/despacho extraído dos autos de processos judiciais;
- Caso seja extrajudicial, a Escritura Pública lavrada no cartório de Notas.
Em obediência aos princípios registrais imobiliários, alguns documentos acessórios poderão ser solicitados para que a matrícula seja regularizada:
- Da continuidade, quando o doador ainda não é proprietário na matrícula do imóvel;
- Da especialidade objetiva, que se trata da perfeita identificação do imóvel – área total, medidas e confrontações;
- Da especialidade subjetiva, que se refere à perfeita identificação e qualificação do proprietário na matrícula – estado civil, CPF ou RG, entre outros;
- Da prioridade: se já houver um título protocolado para o mesmo imóvel, esse terá prioridade de registro;
- Da disponibilidade, pois ninguém pode transferir mais direitos do que possui no registro do imóvel. A área mínima – 180 m² para os urbanos e 2 módulos para os rurais (2 ha) – deve ser obedecida.
Excepcionalidades
Como a doação é, via de regra, uma liberalidade sem qualquer contraprestação, o doador pode impor condições, encargos ou termos para o beneficiário/donatário.
Até mesmo a lei pode impor algumas restrições ou impedimentos relacionados aos imóveis rurais. Os estrangeiros, por exemplo, devem atender às exigências da Lei Federal 5.709/71, c/c 743, e às determinações previstas no Provimento 260/CGJMG/2013.
O doador pode utilizar-se de cláusulas restritivas, como incomunicabilidade, inalienabilidade e intransferibilidade, que serão atos de averbação gravando o imóvel. Todas essas cláusulas garantem proteção sob o bem doado:
- Incomunicabilidade: mesmo que o beneficiário se case (não importando o regime de bens), esse imóvel pertencerá exclusivamente a ele;
- Inalienabilidade: o beneficiário não poderá alienar o bem, sendo proibido dá-lo como garantia para uma alienação fiduciária, por exemplo;
- Intransferibilidade: restrição pela qual o donatário não poderá, a qualquer título, transferir a propriedade do bem a outrem, podendo somente instituir usufruto sobre o bem.
Observa-se que nesse resumo tratamos apenas e tão somente do instituto da doação simples, de plena liberalidade/generosidade.
Coluna publicada no Jornal de Notícias, na edição de 5 e 6 de outubro de 2019